GLAUCO DINIZ DUARTE – Toda a verdade sobre os Diesel
Toda a verdade sobre os Diesel. O melhor é mesmo começar pelo início. Não se preocupem, não vamos recuar até 1893, ano em que Rudolf Diesel recebeu a patente para o seu motor de combustão por compressão — vulgarmente conhecido por motor Diesel.
Para perceber a ascensão e queda dos motores Diesel na indústria automóvel, temos de avançar um século, mais precisamente até 1997, altura em que é finalmente concluído o Tratado de Quioto. Tratado esse onde as nações industrializadas acordaram reduzir as suas emissões anuais de CO2.
Em média, as nações mais ricas deveriam reduzir as suas emissões de CO2 em 8% num período de 15 anos — usando como referência as emissões medidas em 1990.
A ascensão…
Previsivelmente, os transportes no geral e os automóveis em particular, teriam de contribuir para essa redução. Mas se os construtores japoneses e americanos alocaram recursos ao desenvolvimento de automóveis híbridos e elétricos, na Europa, graças também ao lobby dos construtores alemães, apostou-se na tecnologia Diesel — era a forma mais rápida e com custos mais reduzidos para cumprir esses objetivos.
Era praticamente uma ordem para mudar para Diesel. A frota automóvel europeia foi transformada de ser praticamente a gasolina para ser predominantemente Diesel. O Reino Unido, juntamente com a Alemanha, França e Itália, ofereceram subsídios e “adoçantes” para persuadir os construtores automóveis e o público a comprar Diesel.
Para mais, o motor Diesel deu saltos tecnológicos importantes durante a década de 80 e 90, que mais ajudavam ao papel principal como ator para a redução das emissões de CO2 — a Fiat contribuiria de forma decisiva para colocar o Diesel como alternativa viável.
O motor Diesel, devido à sua maior eficiência, produzia em média, menos 15% de CO2 que o motor Otto — o mais comum dos motores com combustão por ignição. Mas por outro lado, emitiam em maiores quantidades poluentes como dióxido de azoto (NO2) e partículas nocivas — quatro vezes e 22 vezes mais, respetivamente — que afetam seriamente a saúde humana, ao contrário do CO2. Um problema que não foi debatido do modo adequado na altura — só em 2012 é que a OMS (Organização Mundial de Saúde) declarou que as emissões dos motores Diesel eram cancerígenas para o ser humano.
Até meio da década de 90, as vendas de carros a gasóleo significavam pouco mais de 20% do total, mas após a mudança concertada de rumo — política e tecnológica —, a sua quota ascenderia a mais de metade do mercado — culminando nos 55,7% em 2011, na Europa Ocidental.
… e a queda
Se podemos apontar o Dieselgate (2015) como o momento chave para o início do fim, o que é certo é que o destino dos Diesel já estava traçado, ainda que fosse expectável um declínio mais progressivo do que aquele que vemos agora.
Rinaldo Rinolfi, ex-vice-presidente executivo da Fiat Powertrain Research & Tecnhology — pai de tecnologias como o common-rail ou o multiair — afirmou que, com ou sem escândalo, o declínio do Diesel teria de acontecer devido aos custos crescentes destas motorizações para estarem em conformidade com as cada vez mais rigorosas normas de emissões.
A sua previsão era de que a procura estagnasse após a introdução da Euro 6, em 2014, e até ao final da década a sua quota se reduzisse a 40% do total do mercado — em 2017 a quota caiu para 43,7%, e no primeiro quadrimestre de 2018 é de apenas 37,9%, já bem abaixo das previsões de Rinolfi, tendência acelerada definitivamente pelo Dieselgate.
Dado o custo cada vez mais elevado de estar em conformidade, previa que os motores Diesel se tornassem exclusivo dos segmentos superiores, capazes de absorver o custo extra das motorizações. Ainda não chegámos a esse ponto, mas temos assistido à venda cada vez maior de motores a gasolina em detrimento dos gasóleo.
O Dieselgate
Em setembro de 2015 veio a público que o grupo Volkswagen usou um dispositivo manipulador no seu motor 2.0 TDI (EA189) nos EUA, capaz de detetar quando estava a ser alvo de um teste de emissões, mudando para outro mapa eletrónico da gestão do motor, cumprindo assim, os limites de emissões impostos. Mas quando novamente em estrada, retornava ao mapa eletrónico original — oferecendo melhores consumos e performances.
Porque é que a nos EUA o grupo Volkswagen recebeu tão pesada pena — os custos globais ascendem já a mais de 25 mil milhões de euros — enquanto na Europa, além da recolha dos mais de oito milhões de automóveis afetados para reparação, não? Na realidade os EUA já estavam “escaldados”.
Em 1998, o departamento de justiça norte-americano em nome da EPA (Agência da Proteção do Ambiente) processou todos os principais construtores de motores Diesel de camiões, por estes recorrerem a dispositivos manipuladores nos seus motores, que resultavam na emissão superior — acima do limite legal — de NOx ou óxidos de azoto.
Tiveram de pagar uma multa superior a 860 milhões de euros. Naturalmente, as leis foram alteradas para “tapar todos os buracos” que esta mantinha. A lei europeia, por outro lado, apesar de proibir o uso de dispositivos manipuladores, tem várias excepções, que tornam a lei, essencialmente inútil.
Em Portugal
Estima-se que em Portugal haja cerca de 125 mil veículos afetados pelo Dieselgate, e o IMT obriga a que todos eles sejam reparados. Uma decisão que tem sido contestada pela DECO e muitos proprietários, após haver cada vez mais casos reportados do impacto negativo que as intervenções têm nos automóveis afetados.
Consequências
Naturalmente, independentemente da sentença, as consequências do escândalo iriam fazer-se sentir na indústria. Para mais, quando testes posteriores em solo europeu revelaram que não eram apenas os modelos do grupo Volkswagen que apresentavam emissões acima do limite em condições reais.
A Comissão Europeia alterou as regras de certificação dos veículos, e no caso de irregularidades, tem agora o poder de multar os construtores até 30 mil euros por carro, numa medida semelhante à que já estava em vigor nos EUA.
Mas talvez a reação mais badalada tem sido o de banir os motores Diesel dos centros urbanos. As emissões NOxsuplantaram claramente o tópico das emissões CO2 nesta discussão. Temos reportado sobre planos de banir — alguns mais realistas, outros mais fantasiosos, dependendo dos prazos anunciados — não só dos motores a gasóleo, como também de todos os motores de combustão.
A decisão do Supremo Tribunal Administrativo de Leipzig, Alemanha, veio dar poder às cidades alemãs na decisão de banir ou não banir as motorizações Diesel. Hamburgo será a primeira cidade a implementar um plano — a começar esta semana —, que proibirá a sua circulação nos seus limites, ainda que de forma progressiva, começando pelos mais antigos.
Dependência do Diesel
Naturalmente, a guerra ao Diesel que assistimos, teve como consequência mais óbvia a quebra de vendas, colocando os construtores europeus em dificuldades. Não do ponto de vista comercial, mas do ponto de vista no cumprimento das metas de redução de CO2 — as motorizações a gasóleo eram e são fundamentais para as atingir. A partir de 2021 a média terá de ser de 95 g/km (valor varia de acordo com grupo).
O declínio acelerado das vendas a que estamos a assistir, já provocou em 2017 um aumento das emissões de CO2 nos automóveis novos comercializados. Será mais difícil para os construtores em cumprir as metas propostas, especialmente para aqueles que mais dependentes estão das vendas deste tipo de motorizações.
E apesar de um futuro que será certamente elétrico, a verdade é que o volume de vendas atual e previsto até 2021 na Europa, seja o de puros elétricos ou híbridos, simplesmente não é e nem será suficiente para compensar a perda de vendas nos motores a gasóleo.
Fim do Diesel?
Será que os motores a gasóleo se extinguirão muito mais depressa que o previsto? Nos carros ligeiros é muito provável que sim, e muitas marcas já anunciaram o seu compromisso em retirar este tipo de motorizações dos seus catálogos, seja em modelos específicos, seja em toda a sua gama, introduzindo no seu lugar motorizações de combustão com vários níveis de eletrificação — semi-híbridos, híbridos e híbridos plug-in —, assim como novos elétricos. Na realidade, preparem-se — vem aí uma enxurrada de elétricos.
Como já referimos, os Diesel já tinham destino traçado, com ou sem Dieselgate. Anos antes do Dieselgate já estava traçado o mapa de introdução de normas de emissões Euro 6 — a norma Euro 6D está prevista entrar em 2020, e já estão em discussão futuras normas —, assim como a entrada dos novos protocolos de teste WLTP e RDE, e a meta das 95 g/CO2.
Naturalmente, já os construtores trabalhavam em soluções tecnológicas não só para que os motores a gasóleo, como todos os seus motores de combustão, pudessem estar em conformidade com todos os futuros regulamentos.
É certo que o Dieselgate veio colocar em causa o desenvolvimento de novas motorizações Diesel — algumas foram mesmo canceladas. Temos assistido, no entanto, ao lançamento de novas propostas Diesel — sejam versões atualizadas de motorizações já existentes para cumprir com os novos regulamentos, ou mesmo motorizações novas. E tal como assistimos nas motorizações a gasolina, também os Diesel serão parcialmente eletrificados, com sistemas semi-híbridos baseados em arquiteturas elétricas de 12 ou 48V.
Se os Diesel têm futuro? Acreditamos que sim
Se nos carros ligeiros, sobretudo os mais compactos, o seu futuro parece muito tremido — e temos de concordar que em carros que só andam em cidade não é definitivamente a melhor opção —, existem certas tipologias para os quais ainda são os mais adequados. Os SUV, sobretudo os de maiores dimensões, são excelentes receptáculos deste tipo de motorizações.
Além disso, os desenvolvimentos tecnológicos a que assistimos neste tipo de motorizações continuam a ser fundamentais para o transporte pesado de passageiros e mercadorias — a tecnologia elétrica demorará ainda até ser um substituto viável.
Para terminar, não com o seu grau de ironia, uma das personagens principais no escândalo das emissões, foi também aquela que apresentou uma solução “revolucionária” para reduzir drasticamente as emissões NOx nos Diesel, o que, a comprovar-se, pode garantir a viabilidade necessária para este tipo de motorização nos próximos anos.