GLAUCO DINIZ DUARTE – Vale a pena ter um carro a diesel no Brasil?
Vale a pena ter um carro a diesel no Brasil? A greve dos caminhoneiros pegou muita gente de surpresa. As bombas de gasolina e etanol ficaram secas nos postos de combustíveis de todo o país durante nove dias e só voltaram a ser reabastecidas parcialmente nesta terça-feira (29). O que não faltou para ninguém durante esse período foi o diesel, justamente o principal motivo da paralisação. Mas vale a pena ter um veículo movido a diesel no Brasil?
Segundo especialistas ouvidos pelo site EXAME, em geral, não. A avaliação é que os carros com motor a diesel só são indicados para as pessoas quando elas precisam percorrer longas distâncias diárias, especialmente em estradas. Caso contrário, o preço maior de compra desses veículos e o custo mais elevado de manutenção, comparado ao dos modelos flex e a gasolina, acabam não compensando, mesmo com os recentes subsídios anunciados pelo governo.
“Seria uma decisão muito precipitada por parte das pessoas optarem por comprar um carro a diesel nesse momento pontual de greve que vivemos”, diz Carlos Domingues, diretor geral da KBB Brasil, referência internacional em preços de automóveis. “O Brasil optou há muito tempo por um modelo rodoviário de transporte que prioriza outros combustíveis em detrimento do óleo diesel, e isso não vai mudar. As pessoas não devem tomar decisões no calor da greve sem antes fazer as contas”, completa.
O Brasil é um dos poucos países no mundo em que há restrições para a comercialização de automóveis movidos a diesel. Em 1976, o extinto Ministério da Indústria e Comércio (MIC), através da portaria 346, determinou que apenas modelos comerciais leves e pesados podem ser impulsionados por esse tipo de motor —o que em tese restringe as opções de carros a diesel a menos de duas dezenas entre os zero-quilômetro, todas de carroceria SUV e com preços acima dos 100 mil reais.
A decisão de proibir carros de passeio a diesel no país foi motivada pela crise do petróleo durante a década de 1970, como parte do programa de incentivo à utilização do álcool (etanol) como principal combustível para os automóveis. Embora esse contexto econômico já não faça mais sentido há décadas, a restrição persistiu com base em argumentos ambientais, uma vez que, historicamente, o diesel sempre foi o mais danoso à atmosfera pela maior quantidade de material particulado (poluentes suspensos no ar) emitida por quilômetro.
Segundo a determinação do governo, para que os veículos possam ter motores a diesel eles precisam atender alguns critérios, como ter capacidade de carga de uma tonelada e/ou tração 4×4 com caixa de transferência reduzida —ou seja, na prática, a relação das marchas fica muito mais curta para permitir que o veículo transponha obstáculos com mais facilidade.
E é nesse último critério que alguns utilitários esportivos conseguem se enquadrar, a exemplo do Jeep Renegade, o SUV a diesel mais barato do país, que segundo a tabela de preços da Kelley Blue Book Brasil custa 106.981,00 reais na versão Custom 4×4 2.0 Turbodiesel na região de São Paulo.
Preço elevado
Dados do Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores) e da Abipeças (Associação Brasileira da Indústria de Autopeças) apontam que os autoveículos a diesel representavam, no ano passado, 9,9% da frota total do país. Os veículos flex eram aproximadamente 62,7% da frota total e os veículos a gasolina, 26,5%. Somadas, as duas categorias atingiram cerca de 90% dos automotores circulantes. A frota movida apenas a álcool (etanol) representava apenas 0,7% do total em 2017.
Como o volume de automóveis a diesel no Brasil é baixo e os modelos pertencem a categorias de maior valor agregado, outro problema para quem se interessa por este tipo de veículo é a diferença de preço entre as versões diesel e flex ou gasolina. Considerando automóveis e modelos comerciais leves (ou seja, as picapes), essa variação é de 25% em média, tornando os modelos a diesel menos atraentes sob o ponto de vista mercadológico.
“Na prática, só pessoas com alto poder aquisitivo podem ter acesso a esses carros. Eles são mais caros do que os seus equivalentes a gasolina ou flex por questões técnicas. E, apesar de serem mais econômicos e terem uma autonomia maior, além de o preço do óleo diesel ser mais baixo do que o da gasolina, eles acabam não compensando se você não tiver a necessidade de percorrer longas distâncias no seu dia a dia”, diz o consultor financeiro André Massaro, autor do blog Você e o Dinheiro. “Considerando os preços médios nacionais de diesel, gasolina e etanol, o valor a mais pago pelo consumidor por uma versão diesel demoraria muitos anos até ser amortizado pela vantagem do combustível mais barato.”
Na ponta do lápis
Para saber quando o carro a diesel vale a pena, é preciso colocar todos os custos na ponta do lápis. Primeiro, é necessário levantar qual é o consumo do carro a diesel (quantos quilômetros ele consegue percorrer por litro de combustível). Essa informação pode ser encontrada no site do Inmetro.
Em seguida, a pessoa deve considerar uma média de quilômetros que roda por ano e coletar o preço médio do diesel —de acordo com a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), o preço médio do diesel até a semana passada, antes da greve dos caminhoneiros, era de 3,86 reais por litro. Com esses dados em mãos, é preciso fazer o cálculo: preço médio do diesel dividido pelo consumo do carro vezes a quantidade de quilômetros rodados por ano. Em seguida, a mesma conta será feita, mas, dessa vez, com o consumo de etanol e gasolina.
É preciso descobrir a diferença: valor gasto por ano com etanol e gasolina menos o valor gasto por ano com diesel. Então, basta dividir o resultado pela diferença de preço entre a versão diesel e flex do carro para saber em quantos anos o valor gasto seria amortizado.
Custos mais altos com manutenção preventiva e seguro em carros diesel deixam a conta ainda menos favorável aos modelos diesel. Simulação feita pela ComparaOnline a pedido do site EXAME mostrou que a diferença de gasto anual médio do mesmo carro (Jeep Renegade) em versões flex e diesel pode ultrapassar os mil reais, considerando uma rodagem média de mil quilômetros por mês, mesmo quando são levados em conta os preços menores do diesel que foram anunciados nesta semana pelo governo federal.
“O IPVA do carro a diesel é maior porque reflete o valor venal do carro, que é sempre superior na versão diesel do que na flex. Além disso, o motor diesel tem um custo de manutenção também maior, o que colabora para encarecer o valor do seguro desse tipo de carro”, diz Paulo Marchetti, CEO da ComparaOnline. “Pelas nossas contas, o custo médio anual do carro a diesel só passa a valer a pena se a rodagem média mensal for muito superior, a partir dos dois, três mil quilômetros”, completa.
A recomendação para quem procura um veículo a diesel é pensar bem no perfil
de uso do carro ou picape. “A greve não deve ser, de forma alguma, um motivo para adquirir um carro como esse. Há outras opções, como o GNV [gás natural veicular], por exemplo, que são mais baratas e menos poluentes. Ainda assim, é preciso fazer as contas antes de tomar qualquer decisão”, enfatiza o consultor financeiro André Massaro.
Diesel na mira
O diesel tem chamado atenção dos brasileiros porque ele foi o principal motivo para a paralisação dos caminhoneiros no país, iniciada há dez dias. Eles reivindicam o fim definitivo da cobrança do imposto PIS/Cofins sobre o insumo, além do eliminação da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre o diesel.
Outra reivindicação é para que haja mudanças na política de reajuste dos combustíveis da Petrobras, adotada em julho do ano passado. Ela determina que os valores dos combustíveis sofram alterações diárias que acompanhem a cotação internacional do petróleo e a variação do câmbio.
Como o dólar e o preço do óleo estão subindo, o preço médio do diesel nas bombas acumula alta de 8% no ano, segundo dados da ANP. O valor está bem acima da inflação acumulada em 2018, de 0,92%, de acordo com o IBGE.
Na semana passada, a Petrobras reduziu emergencialmente o preço do diesel em 10% e congelou o valor por 15 dias. No último dia 23, a Câmara dos Deputados aprovou a reoneração da folha de pagamento para 28 setores e, com o aumento da arrecadação previsto, os deputados zeraram a cobrança de PIS/Cofins sobre o diesel até o final deste ano.
O projeto de lei (PLC 52/2018) foi aprovado em votação simbólica no Senado na última terça-feira (29). O texto faz parte do acordo com os caminhoneiros para dar fim ao movimento grevista, com a redução de 46 centavos no preço do óleo diesel. Serão reonerados o setor hoteleiro, o comércio varejista (exceto calçados) e alguns segmentos industriais, como automóveis.
A atual política de preços da Petrobras é vista com bons olhos por investidores nacionais e internacionais por acompanhar o padrão adotado em alguns países. Uma mudança na política de preços da petroleira, segundo analistas, poderia ser interpretada como intervenção do governo na estatal, com impactos significativos para a companhia na Bolsa.