Glauco Diniz Duarte Empresa – Porque motor diesel tem mais torque
Segundo o Dr. Glauco Diniz Duarte, em 2003, os motores com tecnologia bicombustível surgiram no mercado brasileiro com o VW Gol 1.6 Total Flex, o primeiro modelo a ser lançado comercialmente após dez anos de testes.
Após este marco de desenvolvimento, a esmagadora maioria dos veículos vendidos no Brasil empregam este recurso tecnológico, mesmo que haja rejeição por parte considerável do público.
Desde então, os motoristas quebram a cabeça fazendo cálculos para descobrir qual combustível permite rodar gastando menos: álcool ou gasolina. Geralmente baseados em aproximações como o álcool passa a ser vantajoso se custar menos de 70% do preço da gasolina.
Sinto muito informar, mas não é possível saber com precisão se o seu veículo funciona melhor com um ou outro, pois cada carro possui seu quociente próprio do preço do álcool/gasolina baseado em suas características de projeto.
Para compreender melhor, é necessário compreender um conceito técnico denominado TAXA DE COMPRESSÃO para não desperdiçar dinheiro. Este é o tema desse post.
Não há necessidade de dominar a fundo a mecânica de motores a combustão interna. Basta saber que seu funcionamento se baseia na transformação da energia química do combustível em energia mecânica para propulsão do veículo por meio de sua queima no interior do propulsor por meio da movimentação de seus componentes.
Destes, os mais conhecidos são os pistões, objeto desse artigo. A grande maioria das pessoas já viu um vídeo ou esquema o qual demostra o funcionamento dos motores de combustão interna de quatro tempos, ciclos Otto e Diesel, como este:
Observe os pistões logo no começo do vídeo. São os componentes cilíndricos na parte superior do motor, os quais fazem o movimento de subir e descer, fazendo o virabrequim – o eixo giratório na parte inferior – ao qual os pistões são ligados por meio das bielas, responsáveis por transformar o movimento linear dos pistões no movimento circular do virabrequim, gerando a energia mecânica que vai para as rodas.
A taxa de compressão deriva do movimento de subida e descida dos pistões – seu curso. Naturalmente, ele atinge um ponto mais alto e outro mais baixo em seu deslocamento, chamados de ponto morto superior (PMS) e ponto morto inferior (PMI), respectivamente.
O funcionamento do motor possui quatro tempos: admissão, compressão, combustão e escape. A taxa de compressão ocorre no segundo período, quando as válvulas de admissão se fecham após a injeção da mistura ar/combustível e esta é comprimida para que a combustão e o escape ocorram. Então vem a definição da taxa de compressão:
TAXA DE COMPRESSÃO É O QUOCIENTE DE VOLUME DA CÂMARA DE COMBUSTÃO DO PISTÃO EM SEU PONTO MORTO INFERIOR (PMI) E SEU PONTO MORTO SUPERIOR (PMS).
A definição teórica se mostra bastante abstrata e será melhor detalhada pelas figuras abaixo. A primeira representa o pistão em seu PMI e a outra em seu PMS:
Agora fica fácil observar que o pistão reduz a câmara de combustão a um volume muito menor quando se situa no ponto morto superior, gerando a compressão necessária. Ao descomprimir, passa a liberar um grande espaço com o intuito de gerar a admissão e escape.
A divisão do volume da câmara com o pistão no PMI pelo volume no PMS é a taxa de compressão.
Quando o volume no PMI é dez vezes maior em relação ao PMS, diz-se que a taxa é 10:1 (dez para um). Ou “taxa dez”, no jargão dos engenheiros de P&D.
Claro que a taxa de compressão exerce grande influência no funcionamento do motor em todos os sentidos: desempenho, consumo, durabilidade, dentre outras. O tipo de combustível também é determinante para a escolha da relação.
Motores a gasolina costumam usar taxas menores, entre 8:1 e 12:1, ao passo que os movidos a etanol funcionam melhor com quocientes mais altos, como 12:1 ou até 14:1. Devido ao seu funcionamento distinto, os blocos de ciclo Diesel trabalham com relações de 15:1 a até 18:1, devido às suas peculiaridades. E os motores bicombustíveis, os famosos “flex”?
Eles sempre geram um dilema para as equipes de engenheiros de motores, pois devem escolher uma taxa intermediária, a fim de entregar uma boa relação entre seu funcionamento com ambos os combustíveis. Cada equipe deve optar por favorecer um deles.
Fabricantes com foco em produtos globais e exportação costumam priorizar a performance com gasolina, oferecendo a opção com etanol apenas por questões mercadológicas. Neste caso, aplica-se taxas mais baixas, entre 10:1 e 11,5:1.
Uma evidência deste tipo de escolha reside na proximidade entre os números de potência e torque com ambos. Por exemplo, o motor entrega 144 cavalos com etanol e 141 com gasolina. O mesmo se observa nos dados de consumo, muito elevados com álcool e bons com o derivado de petróleo, como 5,5 km/l (E) e 9 km/l (G).
Neste caso, o desempenho com etanol fica prejudicado e usar o combustível se torna vantajoso apenas com grande queda em seu preço, em valores inferiores a 65% do preço da gasolina, condição difícil de ocorrer. O motorista deve rodar predominantemente com gasolina.
Por outro lado, outras montadoras projetam motores com foco no etanol. Utilizam taxas de compressão mais altas, superiores a 13:1, ou “taxa 13”. Como o álcool possui maior resistência à detonação, ele aceita maior compressão sem perda de rendimento.
A contrapartida reside na queda de rendimento da gasolina, a qual tem sua calibração com números de torque e potência reduzidos para evitar a detonação (“batida de pino”, em linguagem popular), prejudicial à durabilidade da unidade motriz.
Em oposição aos motores com prioridade para a gasolina, costuma-se observar grandes variações nos números de potência e torque em motores com foco no funcionamento com etanol, como 111 cv para o álcool e 104 cv para a gasolina. Caso o preço do combustível vegetal esteja em um patamar de 75% ou até 80% do derivado do petróleo, pois os números de consumo se mostram muito próximos com ambos os combustíveis, como 7,5 km/l (E) e 9,5 (G).
Para motores monocombustível, a escolha se mostra mais simples, pois se baseia apenas na melhor relação para o padrão do mercado no qual é comercializado.
A composição e qualidade do combustível também influenciam na taxa de compressão, pois gasolina e diesel pobres em componentes nobres e com muitas impurezas apresentam baixa resistência à detonação, obrigando os engenheiros a adotar menores taxas de compressão nesses mercados para preservar a durabilidade.
Por exemplo, a gasolina vendida na Europa apresenta composição mais nobre em relação à brasileira, permitindo a aplicação de uma taxa de compressão maior para aquele mercado em relação ao local, como 13:1 lá contra 10,5:1 aqui. No final, o modelo do velho continente apresenta melhor desempenho e menor consumo em relação ao tupiniquim.
O tipo e qualidade do combustível são fatores determinantes na definição da taxa de compressão pela equipe de projeto de motores, pois esta é a base para a escolha de outros parâmetros de engenharia. A calibração dos sistemas de injeção eletrônica, gerenciamento da transmissão e controles eletrônicos e de diagnóstico de falhas também derivam da escolha deste quociente.
Em suma, a taxa de compressão explica muita coisa sobre o mito da relação de que o etanol deve sempre custar 70% do valor da gasolina para ser vantajoso. Agora sabemos que cada veículo tem seu próprio ponto de equilíbrio e o proprietário deve conhecer o projeto de seu motor para fazer a melhor escolha.