Glauco Diniz Duarte Empresa – Porque motor diesel dura mais
Segundo o Dr. Glauco Diniz Duarte, as características do princípio de funcionamento dos motores Diesel geram muitos mitos e lendas difundidas sem que se cheque alguma fonte, como livro ou trabalho científico, para saber a veracidade.
1 – O Diesel entra em combustão por causa da alta pressão dentro da câmara de combustão graças à alta taxa de compressão:
Na verdade, não, pois o que inicia a combustão do Diesel é a temperatura do ar dentro da câmera de combustão. O aquecimento do ar ocorre como uma consequência da compressão do mesmo e quem já encheu um pneu de bicicleta com uma bomba manual sabe o que estamos falando. No caso do pneu da bicicleta estamos comprimindo por volta de 2atm (1atm = pressão do ar ao nível do mar) o ar numa velocidade de 30x por minuto.
Já num motor de taxa 20:1 estamos comprimindo a 20atm em torno de 150x por minuto (motor de arranque gira o motor por volta de 300rpm, o que resulta em 150 ciclos de compressão por minuto). Ou seja, todo o cilindro se aquece rapidamente e é neste instante que se injeta o Diesel, que ao atingir 250ºC se inflama sozinho. A gasolina tem o mesmo efeito, mas sua temperatura é por volta de 300 a 400ºC.
Aliás, a auto-detonação ocorre nos motores Otto também criando um ruído característico. Portanto, uma vez que se comprimiu o ar a ponto do Diesel injetado atingir os 250ºC a combustão se inicia aquecendo mais ainda o cilindro para os próximos ciclos.
2 – O motor Diesel gera mais torque e é mais econômico que Otto à gasolina por causa da taxa de compressão e pelo maior poder calorífico inferior:
O poder calorífico do Diesel e Gasolina são bem próximos, como podemos ver na tabela acima, então uma diferença de 2-3% não seria responsável por consumos na ordem de 30% melhores do motor Diesel. E se a taxa de compressão é o segredo, por que não utilizar taxas de compressão de motores Diesel nos motores Ottos à gasolina?
A resposta é simples: Nos motores Diesel a queima SEMPRE ocorre no seu momento ideal – salvo em algumas situações para controle de emissões – ou em outras palavras, se injeta o Diesel para ocorrer a queima para que o aproveitamento da energia liberada seja mais convertida em movimento que calor. Enquanto isso no Otto à gasolina, nem sempre se consegue dar a centelha de ignição para queimar o combustível já misturado no ar no momento ideal pela característica de auto-detonação.
Isso obriga a se atrasar o avanço de ignição para não ocorrer tal fenômeno que poderia quebrar o motor. E qual o motivo de maior avanço de ignição criar a auto-detenação? Simples, quando há a centelha uma frente de chama se propaga saindo da vela e percorrendo todo o cilindro. O problema que esta frente de chama tem temperaturas na casa dos 2000ºC ao mesmo tempo que vai comprimindo a mistura ar-combustível na sua frente.
Caso a temperatura em algum ponto do cilindro passe do ponto de auto-ignição da gasolina a mesma irá se inflamar, criando outra frente de chama que irá tanto “chacoalhar” o pistão, podendo fazer ele quebrar o filme de óleo entre sua lateral e cilindro, além de criar um ponto de alta temperatura e pressão que pode furar o pistão se for perto dele.
No vídeo do nosso canal do Youtube podemos ver como os fabricantes de motor acham o avanço ideal, chamado de MBT (Maximum Brake Torque) e o avanço que ocorre a auto detonação, chamado de BDL (Boderline). Obviamente quanto mais próximo o BDL for do MBT melhor e esse é o motivo que motores Otto rodando com etanol geram mais torque e potência, mas este é um assunto para outro artigo.
Ou seja, se gera mais torque com a mesma quantidade de ar e combustível simplesmente por que se queima o Diesel no tempo ideal enquanto na gasolina não se consegue trabalhar o tempo todo, principalmente em cargas altas, com queima ocorrendo no ponto ideal, liberando mais calor perdido para o escapamento e líquido de arrefecimento que em movimento.
3 – Motores Diesel trabalham em rotações menores por causa das massas de seus pistões e bielas que são mais reforçados para aguentar mais torque e por isso também tem maior durabilidade:
Este é o mito mais sem fundamentos que existe. Afinal, se a peça sofre maiores esforços ela tem que ser mais reforçada senão quebra prematuramente. Na verdade, o motor Diesel trabalha com rotações menores simplesmente por sua chama se propagar numa velocidade mais baixa que o a gasolina e etanol. Há um vídeo interessantíssimo de um motor Otto com tampa de acrílico que foi filmado em alta velocidade onde podemos como a chama se propaga não muito mais rápida que o pistão que está trabalhando já numa rotação do motor alta (por volta dos 6min se consegue ver nitidamente a chama se propagando lentamente).
Portanto, se tentar aumentar muito a rotação o pistão “foge” da chama, não aproveitando sua energia e por consequência perdendo torque, situação comum dos motores Diesel quando passam da sua rotação de torque máximo, ficando “apagado” conforme a rotação aumenta.
Então quer dizer que o motor Diesel dura mais porque trabalha com rotações menores, já que não tem a ver com as massas dos pistões e bielas? Também não pois se dimensiona as peças de um motor para X número de horas que equivalem a Y quilômetros. Se o motor trabalha em rotações mais altas, terá que ser dimensionado para nesta vida de X horas trabalhar com maior número de ciclos. Obviamente que a ideia não é entrar na disciplina de Fadiga Mecânica do curso de Engenharia Mecânica mas o conceito segue o gráfico abaixo onde se tem a curva de Tensão de Trabalho da peça em MPa no eixo Y(entenda esforço na peça por área) por número de ciclos no eixo X. Ou seja, se eu quiser que uma peça dure mais ciclo, irei dimensionar essa peça para ter uma Tensão de Trabalho (força por área) menor.
Mas o que isso significa na prática? Que os motores Diesel são projetados para durar mais?
Sim e não pois o certo seria dizer qual a aplicação que seu motor terá pois se é um motor para apenas uma corrida de 2h, posso exigir mais potência dele (entenda esforços nas peças) pois o número de ciclos é reduzido. Um caso extremo são os motores de Dragsters de alto nível que duram apenas uma acelerada de 3-4 segundos. Por este motivo que a Fórmula 1 começou a limitar o número de motores por temporada, pois obriga indiretamente a ser controlar a potência dos motores para que não quebrem. No outro extremo temos motores de caminhões rodoviários que possuem garantia de 1 milhão de km, pois devem durar muito para dar retorno ao dono do caminhão. Ou mesmo motores marítimos, que precisam ser limitados em potência por ficarem muitas vezes horas em regime máximo, tendo um ciclo de vida de muitas horas por mês de uso (imaginem os motores de balsas que conectam grandes cidades).
Como a popularização dos motores Diesel foi na área comercial, caminhões e ônibus, devido sua vantagem em consumo, estes motores acabaram migrando para aplicação em picapes e até veículos de passeio, sendo que atendiam critérios bem mais severos de longevidade que os motores Otto gasolina desenvolvidos para os carros de passeio. Por este motivo que nasceu o conceito que motores Diesel duram mais que os “gasolina”, meramente por critérios diferentes de projeto.
Hoje, em picapes e veículos de passeio podemos dizer que ambos teoricamente duram a mesma coisa se ambos foram projetados para a mesma aplicação, como por exemplo, um motor Otto gasolina e um Diesel que serão utilizados numa Ranger. Tanto que se nota que os motores Otto utilizados em picapes são menos potentes que os mesmos motores utilizados nos veículos de passeio, simplesmente pelo fato de na picape haver maiores chances de trabalhar em condições mais perto do seu máximo, como subindo uma serra com a caçamba carregada ao mesmo tempo que a velocidade do ar que refrigera o motor é mais lenta.
Portanto você pode se enganar se for comprar uma picape ou SUV à Diesel pensando que durará mais pois provavelmente o motor Diesel e gasolina foram desenvolvidos para a mesma aplicação. Se bobear teu custo de manutenção ao longo da vida pode ser mais alto no motor Diesel pois o mesmo conta com turbo, linhas e bomba de alta pressão enquanto o motor à gasolina aplicados em picapes geralmente seguem a receita “feijão com arroz”: Aspirado e com sistema de injeção indireto.