GLAUCO DINIZ DUARTE – Toyota como espelho
A primeira palavra que vem à cabeça quando se ouve falar em Toyota é qualidade. A empresa,
não é de hoje, virou uma colecionadora de prêmios de excelência produtiva. Seus carros são objeto de desejo de milhares de consumidores em todo o mundo ? não por acaso, a Toyota tem um alto índice de fidelização de clientes – e seu modelo de gestão, criado nos anos 50 pelo engenheiro Taiichi Ohno, tornou-se referência de mercado. O padrão Toyota, que se opõe radicalmente ao sistema de produção convencional inventado pelas gigantes do setor automotivo americano, ganhou até definição acadêmica: toyotismo. Pois hoje o toyotismo extrapola as fronteiras das linhas de montagem de carros para ganhar fábricas de batom, iogurte, barras de alumínio e geladeiras. Duvida? Então pergunte aos engenheiros da Alcoa, aos diretores da Danone, aos operários da Whirlpool ou às funcionárias da Avon em qual empresa eles se espelham. A resposta será uma só: todos querem ser a Toyota.
?A Toyota provou que qualidade e produtividade não são antagônicos?, diz José Roberto Ferro, presidente do Lean Institute, que apóia empresas na implementação do modelo Toyota de gestão. Na prática, a metodologia permitiu que a Toyota fizesse e desenvolvesse carros pela metade do tempo, metade do custo, em metade do espaço. E, obviamente, sem comprometer a qualidade. Ao contrário. Na Toyota, a qualidade não é medida por amostragem de produtos acabados, mas feita peça por peça, processo por processo. Não por acaso, a empresa ousou lançar no mercado veículos com três anos de garantia. A próxima conquista da montadora já tem data marcada: este ano ela deve ultrapassar a GM e se tornar a maior do mundo no setor automotivo.
Motivos não faltam para flertar com o Toyotismo, mas um é realmente irresistível: o sistema garante ganhos em tempo recorde. Dados do Lean Institute mostram que em apenas um ano de implantação do modelo as empresas aumentam de 75% para 95% a pontualidade na entrega dos produtos, reduzem pela metade os estoques, diminuem em até 70% o tempo de manufatura e elevam, em média, 40% a sua capacidade produtiva. E o que é melhor, tudo isso sem grandes investimentos, exceto com o treinamento de pessoal.
O gerente-geral da fábrica de Joinville (SC) da Whirlpool, dona das marcas Brastemp e Consul, Humberto de Barros Silva, costuma comparar o toyotismo com uma dieta alimentar. ?A Whirlpool estava obesa e teve o mérito de reconhecer isso?, diz Silva. O toyotismo chegou às fábricas brasileiras em 2003. Veio junto com um time de craques no assunto, executivos do setor de autopeças que já conheciam o conceito adotado na montadora. De lá para cá, a dona da Brastemp economizou um estádio de futebol em área física na unidade de Joinville, a maior do grupo, o que permitiu desengavetar velhos projetos e abrir espaço para que fornecedores se instalassem ao lado da linha de produção. A maior conquista foi a redução no tempo de manufatura: uma geladeira que era feita em 11 horas, agora demora só duas horas e meia.
Na Alcoa, que neste ano comemora uma década de toyotismo, o modelo de gestão integrou 360 unidades de negócios, em 40 países. De lá para cá, a multinacional de alumínio economizou US$ 1,2 bilhão, com a junção de áreas, redução de estoques, entre outras ações. A produção de ligas de alumínio, da fábrica de São Luiz (MA) saltou de duas mil toneladas por mês para 11,5 mil. João Bayma, diretor da Alcoa, garante que o modelo da Toyota é fundamental para quem trabalha com produto de baixo valor agregado. ?Sem essa metodologia, estaríamos passando por um período difícil?, admite.
A pergunta que fica no ar é: se era tão simples assim deixar a produção enxuta, por que ninguém ainda havia feito? ?É preciso identificar o que, de fato, interessa ao consumidor e não o que a empresa acha que interessa ao consumidor. Esse é o grande diferencial da Toyota?, ensina Valter Pieracciani, dono da Pieracciani Desenvolvimento de Empresas. O consumidor de hoje, segundo ele, sabe bem o que quer: o máximo pelo mínimo. O que a Toyota faz na fábrica é se restringir às necessidades do mercado. Ela atende aos apelos dos seus clientes proporcionando conforto e tecnologia na medida certa, mas eliminando desperdícios, inclusive descartando valores agregados ao produto que o cliente nem está disposto a pagar. O Corolla, por exemplo, é oferecido ao mercado em apenas cinco cores. Os concorrentes têm mais de dez. Uma pesquisa mostrou que 70% dos consumidores preferem este tipo de veículo nos tons prata e preto. Com isso, a Toyota fez uma economia brutal.
?Os resultados que a Toyota vem atingindo a colocam como um exemplo a ser seguido. E a Danone está experimentando na prática a eficiência do modelo japonês?, diz Ronaldo Balloni, gerente-geral da fábrica de Poços de Caldas (MG). A unidade, que estuda o toyotismo há um ano, inicia neste mês as primeiras ações práticas na área produtiva e de logística. O objetivo de Balloni para os próximos dois anos é reduzir pela metade o tempo de entrega dos pedidos, o volume de estoques e o espaço físico da linha de produção. No final do processo, calcula o executivo, ele terá cortado 20% dos custos totais da unidade. A busca rápida de resultado também motivou a Avon a se mirar na Toyota. Em 2002, a empresa estava diante do seguinte desafio: encontrar uma forma de manter três mil produtos no catálogo de vendas diretas, atualizado com as últimas tendências da moda. O maior problema da Avon era a demora na troca de linha de produção. Com o toyotismo, o processo caiu de quatro horas para uma hora e meia, com redução de 10% das perdas com material e de um terço dos defeitos no produto. ?Tínhamos de mudar o processo sem colocar a mão no bolso. É a filosofia Toyota do mais por menos?, diz Adnauer Amorim, vice-presidente de suprimentos da Avon no Cone Sul.
Outro segredo da excelência produtiva da Toyota é a relação com os fornecedores. Se ela identifica um preço elevado praticado por um bom fornecedor, prefere ajudá-lo operacionalmente para que ele chegue ao valor justo para as duas partes. Parceiro bom, na filosofia Toyota, é garantia de qualidade. Então dá para se dizer que a Toyota é uma mãe? Não, só se for do tipo severa. Em questão de pontualidade na entrega de encomendas, por exemplo, exige 100% de performance. Mas os fornecedores não reclamam. ?É fácil trabalhar para a Toyota, eles trabalham ombro a ombro com você?, diz Wilson Sapatel, presidente ZF Lemforder, multinacional alemã de autopeças. Desde que começou a fornecer barras de direção para o Corolla e o Hilux, em 2002, aboliu o estoque e agora produz sob encomenda. Resultado: produtividade 35% maior.
Mas será que não há nada de errado com a Toyota? Luiz Carlos Andrade Jr., vice-presidente da Toyota, diz que sim. Para ele, a rede de concessionárias triplicou de tamanho no País desde 1999, mas sem diferencial. ?Gostaria de antecipar as necessidades do cliente?, comenta. O projeto de melhoria de performance está pronto e vai premiar concessionários eficientes. O mercado está atento ao toyotismo, agora na versão varejo.