GLAUCO DINIZ DUARTE A ISO 9000 aplicada à construção civil
As normas da série ISO 9000, quando bem aplicadas nas construtoras, implicam rigoroso controle não somente dos processos construtivos, mas também dos processos administrativos – planejamento da obra, treinamento e qualificação dos funcionários, processo de venda do imóvel etc. Neste caso específico, diferencia-se a idoneidade da construtora que incorpora ao seu processo de venda (e o submete a auditoria do organismo de certificação) a garantia de que dispõe do capital para concluir o empreendimento, com a qualidade e o prazo prometidos.
A ISO 9000 aplicada à construção civil entende que a qualidade começa no projeto do imóvel, passa pela sua construção e processo de venda (prometer apenas o que pode cumprir) e estende-se à assistência técnica pós-venda. Ela também estabelece que a empresa deve publicar suas intenções, tanto para seus acionistas como para clientes, fornecedores, funcionários e sociedade.
Aspectos a observar no planejamento e condução de um processo da qualidade
1. O corpo diretivo-gerencial das empresas tem formação majoritariamente técnica, mais precisamente em engenharia. Esse fator não representa um problema, ao contrário; mas deve ser considerado, pois a tendência do engenheiro é a de buscar soluções em tecnologia. Quando se trata de Sistema de Gestão da Qualidade, as soluções são gerenciais e necessariamente passam pelas pessoas.
-
O relacionamento chefe/subordinado nos canteiros não é, normalmente, propício à participação dos funcionários no processo (cultura do setor e desnível social).
-
O setor está começando a ser exposto à concorrência internacional. Essa exposição, se traz os custos sociais da globalização, traz também os benefícios do crescimento profissional e pessoal. Nos segmentos que já têm experiência de operar no mercado global, aspectos como certificação da mão-de-obra, preocupação com a rotatividade, índices de desempenho “classe mundial”, gerenciamento da cadeia de fornecedores e padronização são bastante conhecidos e difundidos.
-
Na maioria das empresas, o processo construtivo não é padronizado, mas sim improvisado. O histórico número, muitas vezes divulgado, que indica um desperdício da ordem de 30% nos processos construtivos é, certamente, exagerado, se considerarmos como desperdício somente os materiais não utilizados e perdidos. Mas é tímido, se considerarmos como desperdício uma série de perdas que são entendidas como parte do processo: retrabalho, re-programações, paradas por falta ou recebimento de materiais, excesso de estoque (intermediários inclusive), falta de qualidade dos materiais fornecidos, horas improdutivas nos canteiros etc.
Armadilhas durante a implantação da ISO 9000
1. Depositar a responsabilidade pela implantação em uma única pessoa, por exemplo, o gerente da qualidade. O programa deve ser “da empresa” e conduzido por todos os gerentes, como parte de suas responsabilidades;
-
Criar um pequeno comitê para discutir os assuntos relacionados com o programa, e tomar decisões. As pessoas que conduzem os processos devem estar à frente do projeto, participando de discussões e soluções, garantindo assim seu compromisso;
-
Não definir prazo para concluir o projeto, incluindo a não definição de prazos intermediários, onde seja possível aferir o progresso da implantação;
-
Focar a empresa “por departamentos” em vez de “processos”;
-
Começar o programa escrevendo procedimentos (departamentais) de “como deveria ser” a empresa. O primeiro passo deve ser “planejar” o sistema da qualidade e definir as estratégias de como ele será “aculturado” definitivamente;
-
Acreditar que o programa termina com a certificação. Na verdade, o processo de melhoria contínua será colocado em marcha após a certificação, quando efetivamente começará o programa;
-
Criar expectativas não realistas;
-
A diretoria da empresa não patrocinar o projeto, ou deixar de patrociná-lo durante seu desenvolvimento. Um projeto desse porte, que envolve mudanças culturais, não é rea
lizado rapidamente e precisa do apoio incondicional da direção;
-
Não aplicar recursos de forma adequada, com especial atenção aos recursos humanos envolvidos e disponíveis para o programa;
-
Não ter metodologia comprovadamente eficaz, que seja capaz de fornecer a disciplina e os métodos necessários para romper com a antiga forma de raciocínio.
ISO 9001 é melhor que ISO 9002?
A norma NBR ISO 9000-1 (não a 9001) tem dois objetivos básicos:
1. Esclarecer principais conceitos relativos à qualidade;
2. Fornecer diretrizes para seleção e uso das normas da família NBR ISO 9000, in-cluindo as de Gestão e Garantia da Qualidade 9001, 9002 e 9003.
Ou seja, a escolha da norma aplicável (9001 ou 9002) não é uma simples opção da empresa, e sim uma escolha objetiva baseada em critérios técnicos. E os critérios são muito claros:
Se a construtora tiver que garantir para seus clientes a conformidade com os requisitos especificados durante o Projeto, Desenvolvimento, Produção, Instalação e Serviços associados, ela deverá adotar a NBR ISO 9001.
Se tiver que garantir a conformidade com os requisitos especificados durante a Produção, Instalação e Serviços associados, deverá adotar a NBR ISO 9002.
A escolha, portanto, é bastante simples. Se no ato da venda o projeto já estiver realizado (venda na planta, por exemplo) e a empresa não precisa demonstrar ao cliente sua capacidade de projetar, a norma aplicável será a NBR ISO 9002! Este é o caso da imensa maioria das construtoras, que definem um projeto baseado nas tendências e pesquisas de mercado e iniciam a comercialização e a construção simultaneamente.
Caso não exista um projeto no ato da venda, e a discussão com o cliente incluir as especificações do projeto (transformação de idéias e expectativas em desenho técnico), a construtora deverá adotar a NBR ISO 9001. Esta relação é aplicável, normalmente, na venda de uma unidade sob encomenda, situação que envolve, por exemplo, escritórios de arquitetura e de engenharia para execução de uma residência.
Ambas as normas são idênticas, ipsis litteris, com exceção de um elemento (capítulo), o que trata de “controle de projetos”. É óbvio que toda construtora deve ter controle absoluto sobre os projetos desenvolvidos, independentemente de sua relação contratual com seus clientes. A ISO 9002 prevê esse fato no requisito 4.6.2, garantindo assim aos clientes dessas construtoras que o projeto também está sob controle, mas não está em negociação. Qualquer interpretação diferente dessa (oficial das normas publicadas) é pura “jogada de marketing”, um esforço para tentar se diferenciar e convencer o público comum de que a 9001 é melhor que a 9002. Falamos com experiência de já ter implementado ambas as normas.
Como implementar a ISO 9000 nas construtoras
1o Passo: diagnóstico inicial
Um bom processo começa pelo diagnóstico da empresa. Esse diagnóstico deve ter foco nos processos e pessoas, e seu resultado deve prover os responsáveis diretos pelo desenvolvimento do sistema da qualidade de informações necessárias para entender as barreiras a ser transpostas, detalhando-se as fases seguintes do projeto: treinamento, capacitações e definição da equipe de implantação.
2o Passo: treinamento
O processo de implementação da ISO 9000 deve ser o mais participativo possível. No entanto, devemos identificar as pessoas-chave da empresa e depositar nelas a responsabilidade pelo desenvolvimento do projeto. Essas pessoas precisam ser treinadas para a adequada interpretação dos requisitos ISO 9001 ou 9002 (dependendo da norma aplicável em relação aos processos da empresa). Outras habilidades que deverão ser providenciadas são também:
a alta administração deverá ser preparada para conduzir o processo participativamente, delegando sem abdicar de suas responsabilidades;
as pessoas da equipe deverão estar preparadas para fazer uso constante de fluxogramas, descrição de procedimentos voltados aos usuários (não ao aprovador ou auditor
), ferramentas estatísticas;
um grupo de pessoas da empresa deverá ser posteriormente preparado para que as auditorias internas (segundo a norma NBR ISO 10011) sejam conduzidas adequadamente;
a equipe de implantação deverá ter conhecimento, ao menos genérico, do conteúdo das dezenas de normas da família ISO 9000, para poder julgar sua adequação ao projeto da empresa.
3o Passo: desenvolvimento do sistema
Este passo deverá ser conduzido com ampla participação dos funcionários envolvidos. O que basicamente se deve fazer nesta fase é definir uma política da qualidade condizente com as demais políticas da empresa. Entender os processos atuais (administrativos inclusive), questioná-los à luz de requisitos internacionais da qualidade e dos objetivos da política adotada, definir a estrutura da documentação do sistema a ser formalizado, descrever e aprovar os procedimentos.
4O Passo: implementação do sistema
A implementação do sistema documentado será mais efetiva quanto maior for a participação das pessoas no processo de desenvolvimento do sistema citado na etapa anterior. O treinamento dos funcionários, nesta fase, deve seguir a hierarquia da empresa (diretores treinam gerentes e engenheiros, que treinam mestres e encarregados, que treinam funcionários). Após implementado o sistema, este deverá passar por uma auditoria interna como forma de checar a aderência dos procedimentos às práticas da empresa.
5o Passo: seleção e contratação da entidade certificadora
Operam no Brasil 23 entidades certificadoras (veja box), das quais 12 reconhecidas pelo Inmetro. As certificadoras são entidades reconhecidas pelos governos, razão pela qual temos entidades reconhecidas apenas pela Comunidade Européia ou pelo governo brasileiro (Inmetro). A opção é da própria certificadora, que deve submeter-se aos critérios do organismo credenciador oficial do País (Inmetro, no Brasil) para passar a ser reconhecido por este.
Para uma empresa brasileira que, por exemplo, exporta toda a sua produção para a Alemanha, a certificação por uma entidade reconhecida oficialmente apenas pelo governo alemão certamente é muito mais significativa do que ser reconhecida apenas pelo governo brasileiro. Assim, tal escolha deve considerar o mercado de atuação atual e futuro, informação contida na estratégia da empresa. Para um segmento como o da construção civil, que será inserido nos próximos anos na concorrência internacional, aconselhamos a escolha de uma entidade reconhecida pelo Inmetro e, também, ao menos, pela entidade credenciadora americana, o RAB.
Os processos de auditoria e certificação são muito semelhantes em todas as entidades, pois a norma-base para a certificação é a mesma. As empresas candidatas à certificação devem exigir alguns pré-requisitos da entidade a ser contratada para realizar a auditoria de 3a parte (certificação):
-
Que a entidade certificadora seja reconhecida pelos governos dos mercados onde a empresa atua, pretenda atuar e onde seus clientes atuem;
-
Que a entidade aceite realizar a análise da documentação no escritório da contratante (importante para que a atividade seja adequadamente realizada e as dúvidas, sanadas por ambas as partes);
-
Que a entidade opere com auditores próprios e não subcontratados. Muitas certificadoras têm, a título de reduzir custos fixos, subcontratado profissionais “part-time” para a realização das auditorias, fato injustificável a considerar o valor do homem/dia cobrado. Esses profissionais, em suas horas “vagas”, são normalmente consultores e muitos têm oferecido seus serviços durante a realização da auditoria, transformando a contratante em refém;
-
Que a entidade certificadora não possua consultoria, a fim de evitar “conflito de interesses”, que mesmo não ocorrendo, deixa margem a dúvidas.